Lua do Silêncio

Ou lua vazia, ou lua negra. É a lua de todas as possibilidades, de todos os inícios e de todos os fins.



 A Terra é uma das manifestações mais primitivas do sagrado, dela tudo vem e a ela tudo retorna. Nos dias que correm o que é primitivo é selvagem, é fora de moda, sujo, horrível e intocável, tudo para introduzir e dar lugar ao que é moderno, clean e belo, principalmente apenas na aparência.
Trazemos nos nossos genes estas contradições impressas como forma de garantir a longevidade e sobrevivência deste tipo sociedade, cultura e economia “modernas”, prosperando em pequenos gigantes monopólios que controlam e manipulam tudo o que vemos, tudo o que sentimos, tudo o que comemos. O primitivo, esse monstro do início dos tempos, é explorado até aos seus últimos recursos e colocado na gaveta da fonte de doenças e todos os outros males da humanidade porque na verdade o que eram bom era vivermos todos do e no ar, já agora com máscaras.
Nós e as nossas crianças crescem a ouvir: “Pára de mexer na Terra, vais ficar todo sujo, que mau aspecto!”, “ Não podes brincar lá fora senão ficas doente!”, “comer Terra, que nojo!”, and so on… Qualquer semelhança com o que é dito às crianças para não tocar nos seus genitais ou às adolescentes que menstruam pela primeira vez, é pura “coincidência”.
Mas que semelhanças são estas afinal, entre a forma como tratamos a Terra e a forma como orientamos o crescimento das nossas crianças, ou como tratamos o nosso corpo ou o nosso sangue?
Metrópoles e metrópoles, belas cidades com boas camadas de cimento e betão, e lá bem para o fundo, onde ninguém a vê, onde ninguém lhe toca, onde ninguém a cheira, onde ninguém a sente, a Terra… Uma mulher linda, cheia de maquilhagem recebe elogios maravilhosos, e por baixo do anti-olheiras, da base, do blush, da sombra, da máscara, do baton…um rosto cansado e triste responde: “sim, é o disfarce de uma mulher esgotada que tenta dizer a si mesma que afinal há algo de belo em sim, mesmo que seja artificial”. Claro que os elogios ficam sem reacção… E na verdade, esta seria a resposta da Terra se lhe dessemos voz.
Se Ela tivesse voz ela gritaria, gemeria, se ela tivesse água ela choraria em pranto. Mas será que ela sofre em silêncio? Será que ela sofre em silêncio como as Mães vitimas de violência obstétrica nos seus partos, quando são sedadas, cortadas ou mutiladas sem razão, sem autorização ou só “porque tem de ser”. Será que há semelhança entre um parto provocado ou uma cesariana porque o médico tem férias marcadas para a data prevista ou porque está quase a terminar o turno e a agricultura de adubos e pesticidas químicos que desrespeitam a ciclicidade das colheitas?
Será também uma infeliz coincidência a relação dos idosos abandonados a morrerem sozinhos porque não servem para nada e os bosques de árvores centenárias desbastados em prol de belos resorts ou indústrias?
Desenganem-se aqueles que acham que a Terra não sente, que a Terra não chora, que a Terra não grita. Ela é tão sagrada como o nosso Corpo e o nosso Corpo é tão sagrado como Ela.
Muitas religiões quiseram fazer-nos acreditar que vivemos aqui num inferno, que temos de o aguentar o melhor que podemos, segundo as regras que nos impõe para alcançar o “reino dos céus”, o paraíso, seja lá o que e onde for, na pior das hipóteses até somos simples parasitas que aqui andam a pairar à espera da morte. Wake-up call, chamado da Terra: o tempo é aqui e agora, se há algo a fazer é no presente, nesta vida, começando por aprender a conviver com o que de melhor e pior temos em nós, se é que se pode separar e julgar, uma vez que a união de cada aspecto dá uma só pessoa e a união de cada um e cada aspecto de tudo que nos rodeia dá uma só unidade, um só corpo. E isto dá a noção algo muito maior que nós mesmos, mas do qual somos células activas, vivas.
A mais profunda lição que a Terra nos dá é a ciclicidade. Sim, essa mesma ciclicidade que vemos na Mulher. E não, não são as hormonas… São ciclos naturais que retiram o véu do que precisa mudar, do que precisa partir. Mas é muito mais simples culpar as hormonas e desculpar-se com uma alteração de personalidade naquela fase do mês “Eu não estava fora de mim, não era eu!”. As dores, a irritabilidade, os conflitos são um alerta que vai sendo coberto com véus e mais véus ao longo dos anos, até um dia explodir. Uma Mulher que discute com o chefe ou com o companheiro na pré-menstruação, desculpar-se-á mais tarde que era a SPM, que não estava bem, mas por em causa a sua relação ou o seu trabalho está fora de questão. Claro que uma qualquer pílula controla estes monstrinhos a que chamam hormonas e a ciclicidade “provocada” pela capacidade de gerar vida, porque é bastante óbvio que é muito melhor ter um cancro. Não se vê logo que o melhor é até nem se ter menstruação, porque é contra-natura, selvagem e primitivo sangrar por livre e espontânea vontade, dando liberdade ao nosso Corpo de escolher fazê-lo e renovar-se ciclicamente? Acaba-se o incómodo e a imundice daquele sangue que suja a roupa, as mãos e que escorre pelas pernas no banho. Retira-se a fertilidade às mulheres, como se abafa a Terra et voilá, problema resolvido, mulheres mais calmas e uma sociedade mais agradável às vistas.
Ser-se Humano é mesmo isto? Que Humanidade é esta? Em que Mulheres e Homens nos tornamos? Mulheres cada vez mais masculinas para vencer a luta entre géneros, homens cada vez mais competitivos, cépticos e distantespara defenderem a sua masculinidadee manterem a sua reputação de machos, porque “Ser vencido por uma menina, que vergonha!”. Pois que a uma altura das suas vidas chega uma doença, uma desgraça, uma tristeza e profunda solidão como resultado do isolamento do mundo e de si mesmos em prol da ilusão do vencer na vida.
Homens e Mulheres, Corpos Humanos e Sagrados como a Terra que pulsa debaixo dos nossos pés e nas nossas entranhas. Escutar-se, respeitar-se, cuidar-se é escutar, respeitar e cuidar a Terra, essa Mãe sem idade que nos acolhe no seu abraço, sem julgamentos.
A Mãe-Terra pode recuperar o seu poder pouco a pouco, se nós recuperarmos o nosso. E não é o exercício de poder sobre os outros, é a busca do poder proveniente da partícula mais profunda do nosso ser. Encontrar este poder implica muitas travessias aos nossos submundos, às cavernas que ficaram esquecidas, onde escondemos padrões construídos ou herdados e dos quais não queremos abrir mão, porque fazem parte de nós. Pois, esta viagem implica abrir mão do que somos, do que queremos ser ou do que fomos, pelo vazio, pelo nada. E a aprendizagem nunca trará nenhum resultado final, até porque não há fim. O tesouro não está escondido em lado nenhum, senão no caminho que fazemos.
Sim, dá trabalho, muito trabalho. Há momentos em que dá vontade de desistir? Sim! É um work-in-progress de uma vida, ou várias. Muitos estarão contra nós, achar-nos-ão aves raras e chamar-nos-ão nomes bem mais estranhos e absurdos. Num outro lado de cada travessia, porém, estará sempre alguém que nos abraça, que nos dá a mão, que está presente mesmo sem palavras. Alguém que nunca esteve onde nós estivemos ou estamos (porque cada caminho é singular), mas que está presente, fazendo também a sua travessia.
Se cada um der a sua mão a outras que estejam ao seu lado, cada um na sua travessia, todos numa busca comum, por um bem comum, defendendo a Mãe-Terra que nos chama a retornar à sua sacralidade, onde a honramos com Amor, “Together we will cross the river”.




Ilda Baeza

19/10/2013

Who am I?

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Desde cedo, começou por explorar práticas espirituais que a ligam directamente à Natureza, aos ciclos da Terra e ao Sagrado Feminino. Apaixonada por todas as formas de expressão criativa, começou o seu trajecto na escrita criativa, artes plásticas, desenho e pintura. Criou e participou em diversos blogs de escrita poética, investigação e espiritualidade. Desenvolveu a sua formação académica na área da Comunicação e participou em várias formações de Dança Contemporânea, Consciência Corporal, Teatro, Escrita Criativa e Artes Plásticas. Actualmente estuda Movimento Oriental. Em 2007 foi a fundadora do conceito ArtingLuna, através do qual expressa a sua linha de artesanato, em acessórios de tecido, incensos rituais, cabazes gourmet, entre outros. O conceito ArtingLuna é também a base pela qual tem desenvolvido a conexão terapêutica da Arte com a Espiritualidade, através de vários ateliers, workshops, encontros e círculos.

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